A lâmina afiada corta o oponente antes do final do combate,
fileiras de homens caem ante ao cangaceiro baiano dos ringues que encontrou em
um meio considerado bruto um caminho para fugir de uma das maiores violências, a desigualdade
social.
O nome do baiano é Adailton de Jesus, e a peixeira na
verdade não é de metal, mas composta por seus braços e punhos que cortam e dilaceram
oponentes. Seu apelido é “Precipício”, mas aqueles que creem serem seus rivais é que caem penhasco
abaixo rumo ao limbo, entretanto, ele permanece em pé sobre eles.
O boxe brasileiro é como o agreste nordestino com seus
cangaceiros, jagunços, prostitutas e coronéis se constituindo num jogo de “matar
ou morrer”, mas Adailton escolheu viver e com essa postura abriu as portas do
exterior ao bater de forma incontestável o invicto Noe Bolaños.
Depois sentiu três derrotas, mas não ficou no chão estirado
como quem toma um tiro, algo muito recorrente aos seus compatriotas que se
prostituem no exterior, Adailton viu os resultados das papeletas de pé e
estrelou batalhas de igual diante de Marco Ramirez e Roinet Caballero.
Entre seus feitos conta ser o primeiro a jogar na lona o
cubano Yuriorkis Gamboa, a luta terminou por nocaute técnico para o lutador da ilha, mas era um
combate de chances iguais que terminaria mesmo antes da campainha para qualquer
um dos dois.
A fama de oponente duro se consolidou e também de possível
contender ao cinturão mundial, ano passado enfrentou Marco Antonio Barrera,
lenda do México, país fluente na nobre arte. Precipício terminou em pé novamente
e foi elogiado pelo guerreiro remanescente do Império Azteca.
Os melhores anos de seu trabalho veio quando estava unido com a
equipe de São Caetano, chefiada por Servílio de Oliveira. Lá treinou com os
filhos do medalhista olímpico Ivan “Pitu” e Gabriel e depois entrou para o grupo o
auxiliar Bruno Rissi. Uma das alegrias de Precipício era a rivalidade com o também baiano
Valdemir Pereira, o “Sertão”, cangaceiro como ele e ex-campeão mundial.
O último combate relevante foi em novembro de 2011 contra o
mexicano Humberto Soto o qual chegou para a peleja acima do peso não honrando sua
palavra. Adailton aceitou o combate mesmo assim e até com pouco tempo de preparo,
pois foi sua última grande chance.
No dia seguinte se desculpou com os fãs. Porém enquanto Soto
lutou no conforto de casa cercado por mariachis e señoritas, Adailton enfrentou
não só o México, mas o próprio Brasil, um gigante tão desigual que olha apenas
para seus filhos que se vendem na TV deixando os outros ao “Deus dará” da seca
do agreste.
Aos olhos não treinados ou sem intimidade a maior qualidade
de Adailton era sua capacidade de nocautear, porém para os próximos este homem
que chega a ser ingênuo em seu jeito simples, se destaca pelo tamanho de seu
coração. Se aqui acaba a carreira de Precipício só cabe uma palavra: "Obrigado".