quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O visitante platino

Enzo Romero e Manuel Pucheta / (Foto: Arquivo Pessoal)


Dia 26 de novembro de 2010, em uma academia de classe A na capital paulista, o boxeador pesado Manuel Pucheta e seu técnico Enzo Romero se preparam durante a noite de socos e clinchs em um vestiário para encarar o último membro a calçar luvas da dinastia Zumbano-Jofre.

Ao olhar para Romero é visível que não é brasileiro, usa o cabelo comprido com mullet que ainda é moda na Argentina, tanto que muitos de seus conterrâneos boleiros profissionais ostentam jubas leoninas assim como o ídolo-mor do esporte em suas terras, Diego Armando Maradona.

Pucheta é um tipo forte, não daqueles com o corpo rijo como uma estátua de Michelangelo, mas tem uma composição óssea e muscular que o faz parecer um tanque de guerra e seu estilo lembra mesmo o veículo militar avançado com potência e impiedosidade.

A sala de esportes não comporta uma luta da maneira ideal e as pessoas ficam muito próximas ao ringue, lembrando os telecatchs mexicanos com seus ardorosos fãs, entretanto ajuda a promover o boxe. Os traços de Raphael Zumbano lembram muito os de seus parentes, a diferença é ser uma versão mastondôndica deles com 1,96m comportando aproximadamente 100 kilos. A plateia vibra com sua entrada no ringue.

Na mesma noite seu professor e mestre foi homenageado pelos 35 anos de seu título mundial dos médio-ligeiros. A segunda conquista de tal nível do Brasil, a primeira veio com o primo de Zumbano, Éder Jofre. Definitivamente é a noite de Zumbano e inclusive seu amigo Ratinho faturou um nocaute na preliminar.

O apresentador Tony Auad faz a introdução dos lutadores e quando a morena ring-girl chamada Flor passa por ele solta uma de suas piadas de seu livrinho: “depois que a flor chegou meu nome passou a ser jardim”, as pessoas riem como o público de Zorra Total. Em outro momento se confunde com o nome do título em disputa, mas com um sorriso maroto de um Silvio Santos cabloco faz um improviso e retoma o controle.

A luta começa, Pucheta escolhe a agressividade, enquanto, Zumbano trilha o caminho da estratégia. O argentino avança como um tigre, e tem bons momentos, mas Zumbano utiliza suas armas a combinação de estatura e envergadura para mantê-lo afastado e marcar pontos.

Ambos latinos e morenos tem nesse embate uma chance de encarar o lendário pugilista americano Evander Holyfield e são acompanhados pelo presidente da World Boxing Federation Howard Goldberg. É como se um sonho de infância estivesse prestes de se tornar realidade, um pedido de natal que dependeu de machucar o colega.

Alguns membros da plateia vociferaram palavrões e outras críticas pesadas para o estrangeiro: “hijo de puta”, “maricón”, “gordo de merda”, e outras palavras crescem na sala, outra parte se limita a torcer por Zumbano que também é pressionado e escuta “não esquece de quem você é neto”.

Raphael não é Ralf, não é Éder, mas é campeão internacional da WBF que mesmo sendo uma instituição de menor influência mostra que o jovem conquistou seu espaço. Pucheta escuta “elogios” como “aprenda a boxear”, os leigos desconhecem que a escola argentina é uma potência mundial e o carro-chefe da América do Sul.

Vencer Pucheta dá credibilidade a Zumbano que conquista cada vez mais seu território no esporte, Ao deixar o ambiente lembro de uma frase do ex-presidente da Abifarma José Eduardo Bandeira de Mello que treinou justamente com Kid Jofre, pai de Éder: “Tomar um soco na cara ensina muito sobre respeito e no boxe aprendi isso”. Zumbano mesmo tendo dançado como um Justin Timberlake na luta, afinal o show faz parte do espetáculo, abraça Pucheta demonstrando respeito e inclusive depois deu carona a ele e Romero para o hotel.

Toda vez que Pucheta seguia para o córner olhava para mim, afinal, ele percebeu que fui um dos poucos que compreendeu que era um visitante e não um soldado inimigo, as palavras parecem tê-lo machucado mais que os golpes. Seus olhos naquele momento são de uma melancolia argentina e nesse dia aprendi mais sobre seu país do que nas aulas de História ou Sociologia.