domingo, 15 de abril de 2012

"Minha história se mistura com a do boxe"


 Dona Zilda / (Foto: Córner do Leão)

“Antes da disputa do primeiro título já fazia para ele e faço até hoje. Fazia ‘baratinho’ e ele foi lá e ganhou”. O brasileiro Acelino “Popó” Freitas com seus 58,7 kilos distribuídos num corpo de 1,68m se tornaria referencia no boxe mundial na noite de sete de agosto de 1999 ao conquistar o cinturão superpena da Organização Mundial de Boxe. Uma mão que tem participação nesta história e de outros boxeadores é da costureira Zilda Martins da Silva, a Dona Zilda, que fez o calção branco usado naquela noite no país de Napoleão contra o cazaque Anatoly Alexandrov que nem deve ter visto direito o traje “baratinho”, já que caiu logo no primeiro round.

Dona Zilda há 16 anos confecciona peças para lutas, começou com os atletas do muay thai. Uma vez dois rivais se encontraram em sua casa e trocaram murros e pernadas. “Me senti um juiz aquele dia, mas hoje damos risada disto. Os brutamontes obedeceram e ficamos amigos”. Hoje prepara uma coleção exclusiva de muay thai com estampas baseadas na estética oriental, mesmo sendo uma microempresária busca estar a frente dos grandes. Às vezes se sente frágil perto dos rapazes por morar só, apenas com a cadela Vivi, mas tem horas que se projeta e mostra mais coragem que eles.

A senhora de 53 anos, pele morena e mãos levemente marcadas pelo trabalho com agulhas e linhas gesticula a cada história que conta sobre lutadores e às vezes sem perceber imita os seus trejeitos e modo de falar.

A parede da casa-ateliê que reside e trabalha na zona leste paulistana tem fotos de lutadores, dirigentes e outras personalidades do boxe. “Alguns já morreram e dá tristeza olhar para eles”. Um amigo querido que perdeu foi o pugilista Rogério Lobo assassinado em 2006.

A voz, que já é tranquila normalmente, ecoa um tanto trêmula: “fiquei tão chateada, da família era o mais próximo de mim. Um dia estava numa lanchonete comendo, ele chegou ao balcão e me falou para na próxima vez ir comer na pizzaria dele que tinha acabado de abrir”.

Entre uma história e outra relembra da sua própria. Veio de Goiânia, Goiás, o tom bronzeado da sua pele serve como atestado de sua origem. Não perdeu o jeito humilde, as roupas que veste são simples e singelas refletindo seu jeito de ser autêntico.

Já costurou para marcas grandes do meio esportivo e de combates como Everlast. Tentou montar um comércio em Mongaguá, comprou uma casa de R$ 40 mil, mas a empreitada de vender roupa de academia no litoral e grande comércio não vingou e voltou para São Paulo. Foi para lá há quatro anos, estava cansada da rotina corrida da capital e sofreu um principio de infarto.

"Põe preço nos calções!" -  Rodrigo Leite, boxeador.





Dona Zilda / (Foto: Córner do Leão)

Virou, e ainda vira, noites fazendo trajes. Quando Popó estava no auge os membros da equipe do baiano a procuravam pedindo diversos trajes prontos para quatro dias, um para cada situação como pesagem, coletiva... O processo era desgastante. Até que um dia ela precisou se defender, mas sempre gostou de trabalhar com o baiano. “Popó sempre pagou direito e são muito profissionais”. Hoje faz calções para o filho dele que gosta de MMA.

No auge do rendimento financeiro e também do estresse teve seis costureiras e outras diaristas. Eram os tempos da multinacional de fightwear que reconheceu viu ali talento e trabalho. A Globo gravou matéria com ela para falar de “quem fazia os calções do Popó e quando tem boxe nas novelas, os calções são feitos por mim”, lembra orgulhosa de um trabalho bem feito.

Porém quando erra: “parece que levei um nocaute”. Olha para o chão cabisbaixa como um lutador que lembra de uma dura derrota do passado que deixou ferida. Alguns erros renderam situações peculiares como o ex-campeão Valdemir Pereira que já subiu com o nome escrito “Sertaõ”. Os lutadores na hora ficam até irritadiços, mas quem aprecia o trabalho de Dona Zilda depois até ri da situação como quem ri com bom humor de uma piada feita sobre si por um amigo querido. Gabriel de Oliveira, filho do empresário de Servílio de Oliveira que comandou Sertão, lembra do fato e ele mesmo que é sério na maior parte do tempo ri e brinca sem maldades.

Para alguns ela é uma mãe, muitos lutadores apesar de se mostrarem como touros, garanhões e tubarões no ringue são carentes e muitas vezes são frutos de lares partidos. Muitos destes encontram uma mãe em D. Zilda, e teve o caso de um que a levou no casamento na Igreja no lugar da falecida mãe.

Os que ficam com traumas de ringue deixam marcas em sua memória. Outro dia um chegou mancando próximo a ela em Mongaguá, “parecia o Corcunda de Notredame”, quase se afastou pensando ser um mendigo pedindo esmola até ver bem os olhos que no meio daquele conjunto de carnes e ossos disformes permaneciam os mesmos. Era um rapaz que como tantos outros frequentava o Baby Barioni cheio de sonhos e foi para os Estados Unidos em busca de ouro, ajudou a família a se manter lá, mas ele pagou um preço alto.

No segundo encontro o jovem já estava mais composto, passara por diversas cirurgias, as deformações foram frutos de combates clandestinos em Las Vegas segundo ele a contou. O Baby Barioni a lembra de seu começo na costura para boxe.

Foi convocada por Valdivino Monteiro, veterano treinador, que queria uma roupa para seu pupilo. Depois disso “fiz roupa para todo mundo de São Paulo”, Newton Campos, dirigente do boxe paulistano e espécie de prefeito do Baby Barioni a chamou para o meio. O senhor de cabelos brancos também está nas fotos, mas com um rosto mais jovem. A senhora que costurava antes dela havia falecido e os meninos lutavam com calções de futebol ou de outras modalidades.

Entre um calção e outro que apresenta conta uma história... Lembra dos seus “filhos”. “O Otas não levanta a voz”, e recorda que o cruzador pegador Pedro Otas outro dia a viu na rua vendo aluguel de casas e a levou em seu carro para uma que passou a morar antes de ir para perto do Parque São Jorge, sua atual moradia.

“Jackson Jr. teve a notícia que seria pai de gêmeas aqui, foi por celular e ficou sem reação de tanta emoção”. Desde então Jackson é visto com duas crianças negras de colo ao seu lado nas reuniões de boxe e que o acompanham em suas lutas e mesmo sem entender muito o veem demolindo oponentes.

O calção simples custa R$ 30,00, com o nome R$ 50,00 e o tecido estampado R$ 80,00. Rodrigo Leite, último pupilo atleta de Antonio Carollo fala: “põe preço nos calções D. Zilda!”. As peças dela possuem uma qualidade superior as que saem de fábricas, são feitas pelas mãos e como dizem os jovens “customizadas” com o cuidado de um alfaiate italiano que prepara o terno de um político ou empresário. Não é apenas o preço baixo que atrai, mas sim a qualidade e os elogios verdadeiros a deixam contente.

Outro personagem do boxe brasileiro que gosta de conversar é o Profº Carlos Alberto, um senhor negro de cabeleira crespa grisalha. A explica os fundamentos no boxe com a didática que leciona na rede pública.

Termino meu café e me despeço, ela com os olhos marcados por olheiras ri e lembra que esqueceu que o dia anterior tinha sido sexta-feira santa e vai até o portão com sua melhor amiga, Vivi. Me despeço e ela fala que espera Douglas Ataíde pegar o seu calção assinado “Good Boy” que estava entre as peças de Emerson Carvalho, o qual deu trabalho, mas ficou personalizado e belo, e outro azul escuro feito para o meio pesado de Vila Velha “Pit” Cardoso. Já na porta fala que ainda tem mais muitas outras histórias do boxe nacional como o calção que fez para Maguila em sua última luta, "minha história se mistura com a do boxe". Para escutar essas história e ter um novo calção os meninos telefonam no número (011) 2091 7120.