sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Entrevista com Éder Jofre


Entrevista com o ex-campeão mundial de Boxe Éder Jofre, na qual ele expõe sua visão sobre a situação do boxe atual, o crescimento do boxe feminino e fases de sua carreira.
Realizada em 15 de abril de 2006.

Como foi seu inicio no Boxe?

Eu iniciei desde garotinho, aos 8 anos eu fiz a primeira exibição. Eu sou de uma família de boxeadores. Meu pai era técnico de boxe, meus tios todos eram lutadores de boxe. Então eu vendo-os lutar e ouvindo pela rádio, pois naquele tempo não existia televisão, me entusiasmava e torcia também... Freqüentava a academia desde garotinho, os lutadores de boxe me pegavam no colo, para eu bater no pushing ball, bater no saco de areia e foi com essa vivência que me tornei em um boxeador.

Quais eram as condições do esporte naquela época?

As condições do esporte naquela época pelo que vejo não eram como hoje, que se ganha bem mais dinheiro, tem mais apoio de firmas e empresas. Antigamente não existia esse tipo de coisa, o lutador era bom de verdade, se dedicava, se sacrificava nos treinamentos sem ganhar dinheiro e saia um lutador de boxe durão. Era mais dedicação, força de vontade e aptidão de cada um que apoio externo.

Como era o seu treinamento para as lutas?


Quando eu era amador eu pulava 3 rounds de corda, cada round eram 3 minutos como se fosse de uma luta, com um de descanso, então pulava 3 vezes dava 9 minutos, depois de aquecer com a corda fazia ginástica, depois saco de areia, pushing ball, luva, uns 3 ou 4 rounds com um outro adversário e no final fazia um round só de sombra sozinho em cima do ringue, fingindo que tinha um adversário e batendo em diversas direções, esse era o treinamento como amador.
Como profissional, mudou muito, na parte da manhã ás 6:30 – 7 horas, eu me levantava, me agasalhava bem e saia pra correr no jardim São Bento na zona norte (São Paulo) no parque Peruche, corria nas ruas de terra. Dava soco no ar como se tivesse um adversário, depois vinha pra casa, tomava banho, tomava café, me alimentava bem e descansava. No início eu trabalhava no chaveiro dos meus tios e do meu pai.
Ás 6:30 – 7 horas da noite, eu ia pra academia do meu pai treinar, pulava corda, ginástica, fazia plancha, batia no saco de areia, luva e sombra.

E como era sua recuperação após as lutas?

Muito boa, porque eu já estava física e tecnicamente bem preparado e felizmente, graças ao soco forte que eu tinha com ambas as mãos, pouquíssimas foram as lutas que eu fiz até o 10º round ou 15º round. Foram quatro ou cinco lutas que eu fiz assim. Eu me sentia muito bem, eu treinava direitinho, obedecia meu pai e fazia tudo que ele mandava.

Qual foi sua luta mais difícil?

Eu tive uma luta que foi terrível... E essa é uma oportunidade que eu vou ter agora de falar pra vocês todos que vão ler. Foi uma luta que eu fiz com Joey Mendel, pela eliminatória pro título mundial, em Los Angeles nos Estados Unidos. A luta demorou até o 9º round, ele me pegou um golpe no fígado eu abaixei ele me deu um upper, desviou o septo e eu fiquei sangrando, com o protetor na boca, foi terrível, cansei... Cansei... Cansei... Só não cai porque modéstia à parte eu tinha muita garra, muita força de vontade. Foi terrível. Quando bateu o gongo eu fui pro canto, falei bem cansado com meu pai: “Pai acho que não vai dar. Eu to muito cansado”. Ele me mandou sentar no banco e fez massagem no estomago pra que eu respirasse, me abanou com a toalha. Então ele disse: “Eder a sua mãe ta torcendo pra você, ta aí no canto torcendo pra você o povo brasileiro está torcendo por você, ele sentiu o golpe, vai que você derruba, vai que você ganha essa luta” e com essas palavras de incentivo eu sai determinado e falei: “Bom sou eu ou é ele, vou ganhar, vou ganhar, vou derrubar”. Com muita convicção, com muita fé, cerquei ele de um lado, cerquei ele do outro, ele saia pra cá, pra lá e aí peguei um golpe no fígado dele. Ele foi pras cordas, eu bati nele e foi indo pra trás, dei uma de esquerda, ele abriu a guarda, dei uma baita de direita e pegou bem na ponta do queixo dele, bem no finalzinho do round, ele caiu de cabeça no chão, e começou a contagem “1,2,3...”, pra mim parece que foi no quarto segundo bateu o gongo aí pensei “puxa vida agora vou ter de fazer tudo de novo”. Caramba eu tava esgotado, mas arranjei energia e pelo que meu pai me falou e a força que me deu, foram os incentivos para eu vencer a luta. Se meu pai falasse: “Eder vamos parar”, então eu pararia, e aí quem ganharia seria o outro adversário, seria o Joey Mendel, e eu não disputaria o título mundial.

Como é o apoio da família na vida de um lutador?

Quando você tem realmente tem uma família que te dá força você cresce, você vê que está indo bem, você se entusiasma mais, mesmo que for só com palavras, que já é muito importante.

Naquela época existia muito preconceito contra os lutadores?

Não, eu pelo menos não lembro de nenhum camarada preconceituoso, não lembro de ter essa passagem.

E as mulheres como elas viam essa profissão?

Elas viam sentadas na cadeira com os olhos (risos). As mulheres... Vamos ser francos, elas acham o boxe muito violento e é violento mesmo, eu também acho, mas foi boa a pergunta, pra eu poder falar em defesa do boxe. Vejam bem: duas pessoas que lutam boxe, em academias diferentes, com o mesmo peso, acertam uma luta, o cara vai lutar com um camarada com o mesmo peso que ele, com poucas lutas também, igual a ele, cada um tem um técnico no canto do ringue pra orientar o pugilista, tem um juiz dentro do ringue pra ver se o adversário da cabeçada, cotovelada ou segura demais. Então você está resguardado, se você estiver bem treinado e tecnicamente bem, não tem problema nenhum, a luta pode transcorrer. A luta é bater e apanhar. Agora se você não treina e apanha, você demora 1, 2 rounds e vai pro chão, agora estando bem preparado, e estando bem fisicamente e tecnicamente você agüenta 10, 15 rounds que nem a maioria agüenta, então tudo isso depende do pugilista de se dedicar e da orientação do técnico.

Mas o senhor era muito assediado pelas fãs?

Não fala isso não, a mulher de mim me bate (risos).

Tem alguma parte do seu corpo que foi prejudicada durante a sua carreira e que persiste até hoje?


Graças a Deus não. Já em 2 ou 3 oportunidades dentro da luta cheguei a quebrar a mão, já abri o supercílio e o nariz já foi prejudicado também. A orelha fica um pouquinho “repolhada”, um pouquinho dura, mas felizmente estou bem.

O esporte passou a ser mais divulgado após as suas conquistas?

O esporte foi porque eu lutava, muito fora do Brasil, e aqui dentro também. Lutei no Japão 2 vezes, Filipinas, E.U.A, Colômbia, Venezuela, e esses lugares a imprensa naturalmente divulgavam minhas luta e ás vezes televisionava, nunca teve uma ao vivo.
Naquela época não tinha patrocinadores, então eu lutava e o pessoal aplaudia muito também, e gostavam e eu sempre fui muito bem visto.

Como o senhor vê o boxe atualmente no Brasil?

Infelizmente com todas as letras, eu acho que o boxe não teve uma evolução como deveria ter onde teve, campeão mundial eu, Miguel de Oliveira e o Maguila divulgou bastante o boxe aqui no Brasil, mas não sei ainda não pegou ainda, todos esses anos de boxe de luta e tudo mais, infelizmente o boxe ainda não pegou no Brasil... Me fala quando vai ter uma luta de boxe? O grande público muitas vezes não sabe.
Pro boxe pegar realmente e ficar um esporte do povo tem que ter a cada 15 dias no mínimo, uma reunião do boxe como tínhamos antigamente.
Antigamente tínhamos Paulo Sacomã, Paulo Jesus, Milton Rosa, Pedro Galácia, Ralf Zombano, Cury alguns dos bons da época, agora me manda conta 7 ou 8 hoje.

O senhor acredita que dos campeões atuais algum honra o cinturão que tem?

Só de ganhar o cinturão já é pra ser honrado, você sabe quantos e quantos e quantos lutadores no mundo todo, estão aí tentando chegar ao título mundial e graças a Deus, graças a força de vontade de cada um desses lutadores nossos, nós temos 2 cinturões, já é uma grande coisa. Veja o contraste, parece que houve uma evolução grande, mas eu acho que não falam tanto quanto deveriam do Popó e do Sertão.

Qual a idade ideal para iniciar o treinamento?

Boa Pergunta, eu acho que com 12, 14 anos, já é uma boa idade pra se começar, porque o boxe você sabe tanto quanto eu que é um esporte difícil que requer muito do pugilista por ser um esporte individual.

Existem muitos centros de treinamento no Brasil?

Existem alguns, não o suficiente. Eu acho e tenho a certeza de que se os governos olhassem mais para o esporte boxe e se em cada bairro tivesse uma academia, mesmo que pequena, o boxe nosso subiria tanto quanto o futebol, porque é um esporte que chama muito a atenção do espectador e a pessoa acaba gostando realmente, pois muitos gostam de ver uma briga, uma disputa, mas com regras que é o boxe. Eu acho que se tivesse maior incentivo conseguiriamos e isso eu vou morrer falando, porém quase não aparece esse incentivo que faria o Brasil ser um pioneiro, um campeão em todas as modalidades, campeonatos Sul-americanos, Pan-Americano e Olímpico.


Qual sua posição quanto ao boxe feminino?

Em principio eu não gosto de ver mulher lutar boxe, vou ser franco e abrir o jogo, mulher tem os seios que são mais vulneráveis e pode provocar um câncer e tenho visto que algumas nem usam proteção e isso pra mim é um absurdo. Não tem cabimento, uma mulher levar um soco, uma porrada no seio e que pode criar um caroço lá e virar câncer.
Eu já sou contra, a única coisa que eu acho que a mulher poderia realmente fazer é treinar, treinar boxe tudo bem com capacete, luvas enormes, como defesa pessoal, pro físico e pra cabeça, falem o que quiserem. Se duvidarem que o boxe melhora a pessoa procurem treinar 2, 3 meses e vão ver como parecem pessoas diferentes. Porque? Porque vão estar sempre com disposição, desfrutando da vida melhor, porque vão estar com a cabeça tranqüila e deixam a agressividade dentro da academia de boxe e quando saem dali querem paz.

O senhor deixaria uma filha ou neta sua participar de uma luta de boxe?

Mas nem pra brincar (risos) só pra brincar, mas bem protegida com o capacete, usando nos seios um aparelho adequado pra proteger.

Qual a sensação de ser membro do Hall Internacional da Fama do Boxe?

Como Brasileiros que somos você pode imaginar como me sinto, pois eu já estou no Hall da fama há muitos anos. Isso é uma glória, uma alegria que levo dentro de mim que não tem como descrever, o negócio é mundial, ter sido o melhor do mundo, ponha-se no lugar e você vai falar “Melhor do mundo não é pra qualquer um”.

O senhor tem medo de ser esquecido um dia?

Agora você tocou num ponto bom, não que eu tenha medo, pois já fiz minha parte e gostaria que outros brasileiros fizessem como eu. Acho que quem viveu essa parte já se sente realizado, o que vou fazer agora com 70 anos?

E o que você tem para dizer para a garotada que está começando no boxe agora?

O que eu digo pra você garoto é que você se dedique, treine, procure aprender com todo mundo, com todos os outros profissionais e amadores, sempre tem alguém que mostra uma coisinha diferente. Se dedique bastante que o boxe é violento e você deve tomar cuidado, mas é muito agradável também.