domingo, 9 de setembro de 2007
Jofre e Suplicy enviam carta à Fidel
Publicada na Folha, o lendário pugilista Éder Jofre e o senador Eduardo Suplicy pedem que Fidel seja razoável em seu julgamento dos pugilistas desertores no Pan 2007.
Ambos ex-boxeadores mostram que a nobre arte também pode ser defendida com palavras e que independente de filiações políticas acima está o caráter.
Abaixo segue a carta:
"Carta aberta a Fidel Castro Quem lhe escreve são dois brasileiros, ambos ex-pugilistas. Gostaríamos de fazer um apelo humanitário ao governo de Cuba EXMO SR. Presidente Fidel Castro Ruz: Queremos cumprimentá-lo por seu aniversário e expressar nossos votos de plena recuperação de sua saúde. Acompanhamos com atenção os 15º Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, em especial o caso dos pugilistas cubanos Guillermo Rigondeaux Ortiz e Erislandy Lara Santoya. Quem lhe escreve são dois brasileiros, ambos ex-pugilistas. O primeiro é Eder Jofre, campeão mundial de boxe dos pesos-galo de 1960 a 1965 e dos pesos-pena em 1973, considerado o melhor peso-galo de todos os tempos pelo Conselho Mundial de Boxe e o nono melhor pugilista de todos os tempos por "The Ring", além de ter sido vereador de São Paulo de 1989 a 2002, pelo PSDB. O segundo é Eduardo Matarazzo Suplicy, que disputou em 1962 -como Eder Jofre em 1953- a "Forja dos Campeões", campeonato amador patrocinado pelo jornal "A Gazeta Esportiva", e atualmente é professor de economia na FGV e senador da República pelo PT, eleito pela terceira vez pelo povo do Estado de São Paulo. Vimos que os atletas cubanos tiveram um extraordinário desempenho no Pan do Rio, com 59 medalhas de ouro, superado só pelos dos EUA, com 97. O mérito de Cuba é impressionante -a população dos EUA é mais de 25 vezes maior que a cubana. Agradecemos pelo voto de pesar transmitido ao povo brasileiro pelo trágico acidente aéreo que causou a morte de 199 pessoas em meio ao Pan. Em relação aos dois pugilistas, sabemos que abandonaram a delegação de Cuba na Vila do Pan e acabaram aliciados por empresários que lhes ofereceram vantagens monetárias e diversões para que deixassem de cumprir a responsabilidade de representar sua nação. Lemos seus depoimentos à Polícia Federal, em que expressam arrependimento, amor a Cuba e vontade de voltar ao seu país de livre e espontânea vontade, segundo assegurou o representante do Ministério Público que os assistiu. Em virtude disso, o governo brasileiro, em coordenação com o cubano, tomou as medidas para que voltassem a Cuba. No artigo de 4/8 para "O Granma", V. Excia. afirmou que "esses cidadãos não sofrerão arresto de nenhum tipo e ainda menos serão vítimas de métodos como os praticados pelo governo dos Estados Unidos em Abu Ghraib e Guantánamo, jamais utilizados em nosso país. Estarão provisoriamente numa casa de visita e poderão ser visitados por seus familiares". Três dias depois, V. Ex.ª escreveu: "É chegado o momento de constituir a lista de pugilistas cubanos que participarão das Olimpíadas de Pequim, com quase um ano de antecipação. Primeiro eles devem viajar aos EUA para participar do campeonato mundial, um dos três eventos classificatórios dos Jogos Olímpicos". Em seguida, V. Ex.ª. adverte, depois de alertar com respeito a oferecer carne fresca aos tubarões da máfia, que "as autoridades desportivas estão analisando todas as variantes possíveis, incluindo trocar a lista dos boxeadores ou não enviar delegação alguma". Se isso significar que Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara não poderão representar Cuba no campeonato mundial e depois nas Olimpíadas de Pequim, gostaríamos de fazer um apelo humanitário ao governo de Cuba. Queremos ressaltar nosso respeito à decisão que vier a ser tomada, pois ambos sabemos que não devemos interferir nas decisões internas e soberanas de cada país, princípio estabelecido na Constituição brasileira. Considerando que Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara reconheceram o erro de abandonar a delegação às vésperas das lutas, qualificado em seu artigo como semelhante ao do soldado que abandona os companheiros em meio ao combate; que já estão de volta ao seio de suas famílias e que são campeões olímpicos com possibilidade de serem novamente vencedores, pedimos que Cuba possa lhes dar uma nova oportunidade, como merecem todos os seres humanos. Esse gesto de generosidade nos aproximará do que disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 5, no jornal "O Globo": "Em nosso continente não precisamos de muros... A verdadeira integração faz circular livremente não apenas mercadorias e serviços mas também pessoas e idéias". Quem lhe escreve tem recomendado aos EUA o final do bloqueio econômico imposto a Cuba há tantas décadas, como sabe V. Ex.ª. Permitir que Rigondeaux e Lara disputem a próxima Olimpíada representando Cuba contribui para o espírito universal do esporte. Amando Cuba, como declararam, certamente continuarão a viver em seu país.
Respeitosamente, EDER JOFRE, 71, bicampeão mundial de boxe, foi vereador pelo PSDB em São Paulo. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 66, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da FGV, é senador pelo PT-SP. É autor do livro "Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta".
Fonte: Folha