terça-feira, 16 de outubro de 2007

Entrevista com Paulo Zorello



Paulo Zorello é um dos grandes nomes da luta no cenário mundial e deteve o maior título do kickboxing por uma década (91-01) com suas lutas sendo transmitidas ao vivo pela TV Bandeirantes.

Hoje longe dos ringues e atuando como presidente da Confederação Brasileira de Kickboxing e representando a WAKO (World Association of Kickboxing), o encontrei em seu escritório dentro do ginásio Mauro Pinheiro em São Paulo onde estava organizando um evento no Bar La Gara.

Esperei por uns 20 minutos e observando o local vi pôsteres de campeonatos pelas paredes, troféus e duas katanas em sua mesa de reuniões. Zorello mantinha-se apreensivo ao telefone e fazia pedidos para sua secretária com uma fala apressada. A mão direita muitas vezes encontrava a testa que começava a enrugar por razão das preocupações.

Paulo aceitou fazer a entrevistas mesmo sabendo que seria longa, recostou em sua cadeira negra, respirou fundo e começamos:

Como foi seu início nas artes marciais?

Comecei em 1975 no Kung Fu estilo Leopardo, modalidade muito importante em minha vida, pois me trouxe disciplina e ensinou hierarquia. Isso me ajudou nas lutas que fiz carreira que foi o boxe e o kickboxing.

O que o motivou a treinar?

A motivação de toda uma geração: Bruce Lee.

Sua família o apoiava?

Meu pai sempre apoiou meus treinos, mas desde que eu trabalhasse e estudasse. Minha mãe nunca gostou muito, mas é natural de toda mãe quando o filho pratica um esporte de contato.

Como foi sua passagem pelo boxe?

Eu fazia faculdade de Educação Física na época, a Fefisa (Faculdades Integradas de Santo André) e assistia aos treinos do Pirelli e tinha muita vontade de participar, já praticava o kickboxing na época. Acabei entrando e tive essa felicidade de ser aceito. Treinei com dois dos melhores técnicos que o Brasil já teve: Antonio Carollo que participou de cinco olimpíadas e cinco pan-americanos e com Servílio de Oliveira que tem a única medalha de boxe do Brasil que foi conquistada na olimpíada do México em 1968.
Tive essa felicidade e consegui me adaptar aos treinos e fiz uma carreira boa de 18 lutas amadoras no Brasil e não perdi nenhuma luta, fui campeão nos torneios que participei desde Jogos Abertos do Interior, Forja dos Campeões para estreantes, campeão paulista, bi campeão do Torneio dos Campeões e também participei de duas lutas como profissional vencendo uma por pontos e outra por nocaute. Foi uma carreira interessante.

Quais eram as condições do kickboxing naquele período?

Era outro mundo, não dá nem pra falar quais eram as condições que tínhamos, pois na verdade tínhamos condição nenhuma. Lembro que fiquei extremamente feliz na primeira competição que não tive que pagar para entrar, pois até então eu sempre pagava e naquela não paguei nada. Com isso comecei a profissionalizar, cresci, fui morar na Europa e entrei pro circuito europeu. Agora são dez anos passados e já parece outro esporte... Os atletas do Centro de Treinamento praticamente vivem exclusivamente do esporte e ganham bolsas para isso ou estão lecionando em academias, sem contar o apóio de médicos, nutricionistas, musculação, condicionamento físico, suplemento nutricional e logo começaremos com aulas de inglês.

Como era o seu treinamento para as lutas amadoras e profissionais?

Sempre treinei muito, mesmo como amador, pois eu treinava boxe e kickboxing. Quando me profissionalizei passei exclusivamente para o treinamento, apesar de manter uma profissão paralela para meu sustento. Eu tinha uma academia e organizava alguns eventos, mas não era nada perto do que faço atualmente, agora sou mais ativo nessa área. Mas eu sempre fiz coisas voltadas ao esporte.
Treinava de manhã aeróbio e força... corrida e musculação, nas tardes era técnico com ênfase em sparring. Duas horas de treino pelas manhãs e entre duas horas e meia à três horas a tarde.

Amizade entre rivais existe dentro das artes de combate?

Existe. Tenho muitos amigos que foram meus adversários. Sempre aprendi no Kung Fu que não temos inimigos e sim adversários. No final da luta acabou a tensão e mantenho bons relacionamentos com essas pessoas que hoje são técnicos, lideres de federações, organizadores de eventos.

Qual foi sua luta mais difícil?

Enquanto eu estava em atividade eu dizia “A luta mais difícil é a próxima, pois a que tinha feito já era passado”. Como não estou na ativa penso em atletas que foram duros e cito a conquista do título mundial na Itália contra o francês Phillipe Coutelas, já que eu vinha de uma condição totalmente desfavorável. Eu era a zebra e ele o campeão mundial, vinha de um país sem tradição no esporte. Outra no Brasil que foi contra o alemão Hubert Nurrich, o cara é muito grande de 1,98m e 126kg e hoje é amigo meu. Tive uma que foi dura contra o belga Girolando Fregapene em Bruxelas, na qual quebrei minha mão no primeiro round e lutei até o quarto.

Qual a sensação após nocautear o oponente?

Normal. Não é algo que me dê satisfação, lógico vencer por nocaute é bom pro ego do atleta que sente sua eficiência e que os treinos funcionaram, mas não era algo que me dava satisfação. Nunca pensei: “Vou nocautear ele, machucar ele!”. Eu lutava pra vencer e não pra nocautear.

Já sentiu remorso por algum dano infligido contra um oponente?

Também não, pois já sangrei e já fiz sangrar e é normal num esporte de contato. O cara que sobe lá está preparado e sabe do risco que corre.

Conte como foi sua última luta?

Foi bem legal. Lutei na Praia Grande em 2001, defesa do meu título mundial contra um belga que derrotei por nocaute no quinto round. Foi realmente a despedida e vinha pouco a pouco diminuindo o ritmo de defesas do cinturão. E decidi me retirar como campeão mundial.

Como o seu estilo se adaptou com a passagem dos anos?

Fui ficando mais experiente como qualquer atleta é normal isso. Você adapta o sistema de treinamento e observa que tipo de jogo que cai melhor. O atleta ganha muito com experiência. Eu fui um cara que nunca sofri ou me machuquei gravemente no ringue e isso preservou minha saúde, nunca tive uma seqüela articular que são as piores como as de ombro, joelho e cotovelo. O que sofri foram duas lesões por choque uma na mão outra no bíceps, mas foram por trauma. Isso tudo fez com que eu pudesse lutar até os 40 anos e adaptar o meu treinamento.

Como é conhecer a derrota?

Pra mim no primeiro momento foi muito ruim, minha única derrota como profissional e foi para o inglês Peterson Barrington, porém foi produtiva porque eu não escutava muito meus técnicos e não treinava como deveria, pois me achava invencível. Meu cartel era 30 lutas como profissional, 23 ou 24 por nocaute, invicto, campeão sulamericano, europeu, intercontinental, tri-campeão mundial. O atleta não pode ficar assim, porque quando fica ousado corre risco.
A derrota serviu como estilo, pois aumentou meu afinco nas sessões de treino, o meu respeito pela comissão técnica. Fiz mais 8 lutas e foram todas por nocaute e nenhuma depois do 4º round.

Qual a sensação de se aposentar com o cinturão mundial?

Se aposentar é muito duro, fui um ano complicado pra mim por causa da transição de campeão para ex-campeão, atleta para ex-atleta. Foi realmente complicado, pois você deixa os holofotes e o atleta se estimula com isso. Minha sorte foi o estimulo da família naquela decisão e continuar no esporte. Coitado daqueles que deixam de ser atletas para seguir outro rumo, me sinto bem nessa fase da vida.

No mesmo período no qual você detinha o cinturão mundial da WAKO, Sérgio Batarelli possuía a versão do mesmo pela WKF. Por que não ouve uma luta entre ambos?

Tivemos três oportunidades que quase lutamos. Quando iríamos fechar a luta ele sofreu um nocaute para um italiano de origem africana no Maksoud Plaza e foi hospitalizado. Teve de abandonar a carreira por ordem médica e por isso não houve a luta. Continuei lutando, mas não tivemos essa chance, talvez no passado tivéssemos essa luta, porém nunca acabou dando certo.

O que você acha da existência de mais de um campeão mundial por modalidade?

É uma praxe do boxe e o kickboxing tem muito a ver, pois dando uma definição rude é um pugilista que chuta. A grande vantagem da Wako que ela é a única reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional. A tendência é acontecer como a Aiba (Associação Internacional de Boxe Amador) do boxe que é a sigla amadora reconhecida pelo comitê. A Wako será a provavelmente a sigla mais reconhecida no mundo e no futuro a vida de seus atletas terá melhorias.

Algum brasileiro carregou a bandeira do Full Contact após sua aposentadoria?

Tivemos um campeão mundial que foi o baiano Joca Soares e não é mais detentor da coroa, mas foi na década de 90, porém se retirou. Hoje temos um campeão de low-kicks o Wagner Steve de Goiás e um de thai kick que é o Delcelio Rodrigues de Garopaba Paraná.

Muitos professores de kickboxing colocam uma faixa e se intitulam mestres de Muay Thai e começam a lecionar. O que tem achado disso?

Não vejo isso. O contato que tenho com profissionais que são filiados nossos e hoje estamos quase no Brasil todo fortalecidos. No campeonato compareceram 15 federações estaduais. O que existe é confusão de modalidades, Muay Thai é Muay Thai e Kickboxing é Kickboxing, um é tailandês e o outro estadunidense. Muay Thai é o esporte nacional assim como futebol brasileiro, existe toda uma cultura, o Kickboxing é um esporte de competição nascido nos anos 70, o praticante treina para competição pura e não como uma filosofia e defesa pessoal, é algo ocidental e apesar de ter hierarquia e respeito é muito diferente de artes marciais tradicionais. Dentro do Kickboxing temos três modalidades de ringue: full-contact, low kicks e o thai kick. O thai Kick é muito popular no mundo e muitas pessoas falam “Ah eu faço Muay Thai”, mas não fazem, porque o Muay Thai tradicional é na Tailândia e tivemos o mestre Pirojnoy morando conosco por 6 meses, para o qual perguntei como era o Muay Thai ao redor do mundo e ele simplesmente respondeu “Muay Thai é sempre Muay Thai”, não se luta o muay thai nesses pais e sim se ensina, pois tem um ritual e uso de cotovelo e não tem competição. E onde a competição não utiliza cotovelo não é muay thai.

Existem muitos centros de treinamento de kickboxing no Brasil?

Centro de Treinamento apenas este da Confederação Brasileira, centro de alto rendimento e qualidade no qual procuramos aprimorar o físico, a técnica e a cultura do atleta filiado. Pretendemos aumentar o trabalho trazendo atletas de outros estados, possuímos um trabalho social com crianças e adolescentes até 18 anos que treinam gratuitamente de segunda à sexta das 18 às 21 horas.

O que você tem feito como presidente da Confederação Brasileira de Kickboxing?

Trabalhado tempo integral para a modalidade, se você tiver oportunidade de entrar em nosso site são 17 eventos pelo Brasil e todos passam pela confederação, temos relatórios, rankings... trabalhamos para que o esporte cresça em na nação.

Você foi presidente da equipe Never Shake, quais foram os motivos para o seu fim?

Conflito de interesses. A Never Shake surgiu da idéia de se ter uma equipe profissional e mais que isso. Abrir as portas para os atletas filiados da federação para que participassem de uma equipe profissional, porém naquele momento não entendi que não era possível agregar atletas de todos os estados, pois queríamos ter a grande maioria de atletas da confederação brasileira nessa equipe. E entendi que o Presidente de uma confederação não pode ser líder de uma equipe, deve ser líder de todas as equipes e todos os atletas. Esse é meu dever como presidente e por isso encerrei as atividades da Never Shake, abri o centro de treinamento para todos os atletas, as federações ficaram muito contentes com minha decisão e participam, o kickboxing deu um salto fenomenal.

Enquanto você foi campeão mundial o vale-tudo começou a despontar no mundo, pensou em migrar para a modalidade?

Tive algumas propostas, mas sempre gostei muito de kickboxing e as propostas que recebi para o vale-tudo não valiam nem 10% do que eu recebia como campeão mundial de kickboxing. Eu sempre quis ser um kickboxer e me retirar como campeão mundial.

Você já teve um programa de lutas em TV aberta, o Super Fight, como foi essa experiência?

Muito interessante. Uma época legal, pois era um programa com entrevistas. Eu estive na Gazeta de 98 a 2002 e era a segunda audiência do canal, perdendo apenas para o Mesa Redonda e ganhando até do Mulheres e outros programas tradicionais da Gazeta e foi muito legal, pude conhecer gente de diversas modalidades. Hoje estou feliz, estou no Band Sport, transmitindo eventos do Brasil todo, é uma nova fase.

Por que ela foi cancelada?

Tive a proposta do Canal Bandeirantes para voltar a transmitir eventos esportivos e é mais minha praia.

Você era proprietário da revista Top Fight, qual era o enfoque dela?

Artes Marciais. Surgiu junto com o Super Fight que era uma revista eletrônica e a Top Fight a versão impressa.

Qual era o diferencial dela em relação as revistas atuais do meio?

A Top Fight enfocava todas as artes marciais, as atuais não falam de todas as artes como nós falávamos.

Acredita que jornalistas esportivos deveriam ser ex-atletas ou ao menos praticantes da modalidade?

Não, lógico que se for ex-atleta e formado em jornalismo ele terá mais experiência. Mas cito os apaixonados como Eduardo Ohata que foi meu atleta de boxe e hoje é colunista da Folha e comentarista da ESPN. Chegou a lutar como mosca no boxe nos jogos abertos do interior, fez uma pequena carreira como amador, mas é um estudioso e apaixonado pelo boxe e o que vale na carreira é o tanto que você se dedica para ela.

Você chegou a atuar em um filme de Kickboxing brasileiro, como foi filmá-lo?

O Gaiola da Morte foi bem legal. Te digo que atuar é muito mais difícil que lutar e treinar (risos), você deve incorporar e foi uma experiência muito interessante, porém me chateou por não ter tido continuidade e abrir portas para outros artistas marciais.

Qual foi a repercussão do mesmo?

Muito boa, lançado em diversas partes do Brasil, aqui em São Paulo no cinema Ipiranga e Marabá em 92 e tinha acabado de me tornar campeão mundial, eu começava a lutar na Bandeirantes ao vivo.

Você realiza palestras em escolas, qual o enfoque delas?

Até um ano atrás eu realizava as palestras em escolas, porém hoje trabalho mais com a modalidade e socialmente, visito mais as federações e passo a experiência... falo da capacidade que o esporte dá para os atletas se socializarem. Devolvo o que esse esporte me deu.

O que tem achado da educação no Brasil?

Hoje inclusive li uma notícia que me chateou como educador e professor de educação física que sou, o ensino médio estava dividido até hoje em dois ciclos de 4 anos, ou seja não podia ser renovado antes de um ciclo de 4 anos. Empurrão ele pra frente e largam o cara no mercado de trabalho sem condições nenhuma. Hoje a secretária de Educação e Cultura disse que será diminuído para 2 anos, menos mal pois o erro foi diminuído pela metade, mas ainda é muito, o ciclo deve ser anual e se não tiver condições deve ser reprovado. Os professores devem ser tratados com mais respeito e estimulados para preparar essa nova geração de trabalhadores no país.

Quais valores o principiante encontrara no Kickboxing e levará para sua vida?

Principalmente a inclusão social, dentro de uma arte marcial você não tem a diferença social. Quando dois atletas treinam não tem diferenças de religiões, etnias, socioeconômicas, portanto, vale o ensinamento e seu empenho, ou seja a cultura esportiva. Temos atletas de origens diferentes ensinando os mais novos e isso mostra para a criança que o que vale é o interior.

Foto: Paulo Zorello e Gabriel Leão / Arquivo Pessoal