segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A peixeira do cangaceiro dos ringues


  Yuriorkis Gamboa (esq.) e Adailton de Jesus (dir.) / (Foto: Ag. Internacionais)


A lâmina afiada corta o oponente antes do final do combate, fileiras de homens caem ante ao cangaceiro baiano dos ringues que encontrou em um meio considerado bruto um caminho para fugir de uma das maiores violências, a desigualdade social.

O nome do baiano é Adailton de Jesus, e a peixeira na verdade não é de metal, mas composta por seus braços e punhos que cortam e dilaceram oponentes. Seu apelido é “Precipício”, mas aqueles que creem serem seus rivais é que caem penhasco abaixo rumo ao limbo, entretanto, ele permanece em pé sobre eles.

O boxe brasileiro é como o agreste nordestino com seus cangaceiros, jagunços, prostitutas e coronéis se constituindo num jogo de “matar ou morrer”, mas Adailton escolheu viver e com essa postura abriu as portas do exterior ao bater de forma incontestável o invicto Noe Bolaños.

Depois sentiu três derrotas, mas não ficou no chão estirado como quem toma um tiro, algo muito recorrente aos seus compatriotas que se prostituem no exterior, Adailton viu os resultados das papeletas de pé e estrelou batalhas de igual diante de Marco Ramirez e Roinet Caballero.

Entre seus feitos conta ser o primeiro a jogar na lona o cubano Yuriorkis Gamboa, a luta terminou por nocaute técnico para o lutador da ilha, mas era um combate de chances iguais que terminaria mesmo antes da campainha para qualquer um dos dois.

A fama de oponente duro se consolidou e também de possível contender ao cinturão mundial, ano passado enfrentou Marco Antonio Barrera, lenda do México, país fluente na nobre arte. Precipício terminou em pé novamente e foi elogiado pelo guerreiro remanescente do Império Azteca.

Os melhores anos de seu trabalho veio quando estava unido com a equipe de São Caetano, chefiada por Servílio de Oliveira. Lá treinou com os filhos do medalhista olímpico Ivan “Pitu” e Gabriel e depois entrou para o grupo o auxiliar Bruno Rissi. Uma das alegrias de Precipício era a rivalidade com o também baiano Valdemir Pereira, o “Sertão”, cangaceiro como ele e ex-campeão mundial.

O último combate relevante foi em novembro de 2011 contra o mexicano Humberto Soto o qual chegou para a peleja acima do peso não honrando sua palavra. Adailton aceitou o combate mesmo assim e até com pouco tempo de preparo, pois foi sua última grande chance.

No dia seguinte se desculpou com os fãs. Porém enquanto Soto lutou no conforto de casa cercado por mariachis e señoritas, Adailton enfrentou não só o México, mas o próprio Brasil, um gigante tão desigual que olha apenas para seus filhos que se vendem na TV deixando os outros ao “Deus dará” da seca do agreste.

Aos olhos não treinados ou sem intimidade a maior qualidade de Adailton era sua capacidade de nocautear, porém para os próximos este homem que chega a ser ingênuo em seu jeito simples, se destaca pelo tamanho de seu coração. Se aqui acaba a carreira de Precipício só cabe uma palavra: "Obrigado".