Jack Johnson
Eu sou Jack Johnson. Campeão mundial dos peso-pesados. Sou negro, eles nunca me deixam esquecer disto. Eu sei que sou negro! Eu nunca os deixarei esquecerem disto.” – frase atribuída a Jack Johnson no disco "Tribute to Jack Johnson" de Miles Davis.
Em 26 de dezembro de 1908 há exatamente 99 anos atrás, Jack Johnson derrotou Tommy Burns pelo cinturão dos peso-pesados do boxe. O pugilista foi o primeiro negro a conquistar o título e conforme Ken Burns autor de um documentário sobre sua vida: “Por mais de treze anos Jack Johnson foi o mais famoso e mais notório afro-americano na Terra”.
Nascido John Arthur Johnson no dia 31 de março de 1878 em Galveston, Texas, filho de ex-escravos e membros da religião metodista Tina e Henry e irmão de outras cinco crianças, já era controverso desde pequeno quando na escola questionou a existência de Deus e o domínio da igreja sobre a vida das pessoas. Sua educação foi formal por cinco anos e o resto complementou sozinho, gostava dos livros de Alexandre Dumas e da biografia de Napoleão Bonaparte com quem se identificava.
Com 15 anos conquistou sua primeira vitória no ringue e em 1897 já era profissional, seu estilo prezava o contra-ataque, esperava um vacilo do oponente para favorecê-lo, diferente dos seus contemporâneos, mas conforme a passagem dos rounds tornava-se cada vez mais agressivo.
Em 1901, recebeu uma lição de boxe do veterano Joe Choynski, lutador fumante e na época com 32 anos, sendo nocauteado no 3º assalto. O durão James J. Jeffries descrevia Choynski como o dono do soco mais duro que o atingiu em sua carreira.
Como combates profissionais eram proibidos no Texas, ambos foram presos e a fiança era de US$ 5 mil, mas nenhum podia pagar. O xerife permitiu que ambos fossem para casa de noite, porém deveriam fazer sparrings na cela, uma enorme plateia ia assistir aos treinos. Após 23 dias o tempo de cárcere foi reduzido e o grande júri recusou indiciar ambos. O negro Johnson teve no branco Choynski seu primeiro grande desafio e também seu grande mestre que lhe ensinou dentro da cadeia não só a brigar, mas o jogo do boxe.
Jack Johnson (esq.) e Joe Choynski (dir.) / (foto: Chicago Daily News)
Seu estilo era tido como “covarde” pela imprensa branca, porém o ex-campeão Jim Corbett lutava da mesma maneira e era vangloriado como “O homem mais inteligente do boxe”. O primeiro cinturão do rebelde Johnson veio contra Ed Martin em 1902 o título de Campeão de Cor dos Pesos-Pesados (apenas para negros). O atual campeão mundial James. J. Jeffries se recusava uma lutar com ele por racismo.
Contando com vitórias sobre nomes renomados como o ex-campeão do mundo Bob Fitzsimmons, ele finalmente teve a oportunidade de enfrentar o então detentor da coroa Tommy Burns em Sydney, Austrália. Com 20 mil espectadores conseguiu um nocaute técnico após uma surra no oponente.
Após essa luta Burns ficou taxado como o homem que falhou com a própria raça. Então James J. Jeffries voltou de sua aposentadoria para enfrentá-lo. O campeão já derrotará um numeroso contingente de desafiantes brancos. Até mesmo o jornalista e escritor Jack London que era socialista pediu por uma “Esperança Branca” capaz de aniquilar sua vida. Com a superação sobre Jeffries, os negros celebraram em encontros e acabaram sendo linchados em todos os cantos da América por aqueles que não aceitaram o resultado. O saldo foram 25 pessoas mortas (23 negros e 2 brancos).
O que pouco se menciona em suas biografias é que evitava adversários negros, principalmente Sam Langford que era a maior ameaça ao seu reinado e foi considerado pelo editor da Ring Magazine Nat Fleischer um dos dez melhores peso-pesados de todos os tempos. Outro fato não exposto muito nos livros é que seu último combate foi uma revanche concedida para o compatriota Brad Simmons em 1931, e após simularem alguns golpes no qual Simmons cairia a luta foi declarada como nocaute no 2º assalto, após o resultado controverso ambos foram banidos de se apresentar em qualquer ringue no estado de Kansas.
Em 1915 Johnson perdeu sua coroa em Havana, Cuba para Jess Willard por um nocaute no 26º round de uma luta de 45 assaltos. Durante sua carreira o campeão dos negros fez fortuna não apenas com as bolsas, mas também com merchandising de diversos produtos.
Johnson gostava de automóveis esportivos e mulheres brancas, foi casado duas vezes e teve diversas amantes. Seu jeito era para provocar os modelos de sua sociedade. Certa vez foi preso por sair do seu estado para outro transportando em seu carro uma branca. A polícia alegou que era tráfico de prostituta e lhe foi imputada a sentença de um ano na penitenciária, onde desenvolveu uma ferramenta que foi patenteada.
Lutou até os 46 anos e manteve um cartel de 92 vitórias, sendo 51 por nocaute, 14 derrotas, 11 empates e 14 No Contest. Foi um erudito quebrando também o paradigma de que lutadores são burros, gostava de ópera e história. Faleceu em 10 de junho de 1946.
Legado
Jack Johnson foi mais que um campeão, é um legado cultural. Sua história está eternizada em The Great White Hope (1970) com James Earl Jones foi indicado ao Oscar pela interpretação de Jack Jefferson, personagem inspirado no biografado deste texto. Em 2005 Ken Burns fez um documentário chamado Unforgivable Blackness: The Rise and Fall of Jack Johnson baseado no livro homônimo de Geoffrey C. Ward.
Por causa dele Joe Louis foi privado de lutar pelo cinturão de peso-pesado até provar que podia se comportar de maneira aceitável para os brancos, o Brown Bomber de Detroit evitava a companhia de mulheres não negras.
Muhammad Ali teve uma leve influência do campeão do passado, ambos eram contestadores do sistema, só que o Maior de Todos tinha uma consciência racial que faltava ao seu antecessor.
Graças a Johnson, os negros estadunidenses e depois do mundo começaram a contestar o sistema deixando de ser submissos, sua voz ecoa nos raps de Tupac Shakur e Public Enemy, nos filmes de Spike Lee, no tributo gravado pelo jazzista Miles Davis em 1970 (A Tribute to Jack Johnson).
O Gigante de Galveston como também foi chamado abriu portas não só para Ali, mas também para a existência de Larry Holmes, Floyd Mayweather, Mike Tyson e todos aqueles que com luvas lutam contra um sistema opressor de seu povo.
Foto: Livraria do Congresso Americano
Jack Johnson X James J. Jeffries