quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Entrevista com Jack Welson


Aprendi no boxe a me controlar e não usá-lo de má fé. Aprendi a controlar os sentimentos.

A cena se repetiu mais de uma vez, os punhos enfaixados de Jack Welson levantaram o recém conquistado cinturão reluzente em meio ao a um público extasiado embaixo de um viaduto. Jornalistas de veículos importantes cobriam o acontecimento, O cartel tem 11 vitórias com nove nocautes e duas derrotas, além de uma coroa sul-americana da AMB e outra brasileira.

Mesmo com o retorno da mídia o atleta não conseguiu patrocínio para deslanchar sua carreira, tampouco abandonar os bicos de segurança e sobre esses problemas e as alegrias que a nobre arte trouxe para sua vida que ele fala em entrevista exclusiva ao Córner do Leão.

Como você começou no boxe?

É uma história muito longa... Eu vou tentar resumir. É o seguinte, não sou de São Paulo, sou mineiro de Janaúba, cidade próxima de Belo Horizonte. Tudo começou lá, não na prática, mas a semente do meu gosto pelo boxe, apesar de tanto tempo que ficou parada.

‘Molecote’ ainda eu reunia os meus colegas e brincava de boxe, improvisava ringue e luvas, colocava os meninos lá e brincávamos... Aquilo era muito legal, pois foi quando surgiu a vontade de fazer pugilismo e isso continuou.

Eu não esqueço de uma oportunidade que a vontade era tanta de assistir uma luta de boxe, mas eu não tinha dinheiro para a entrada, então juntei com meu colega e eu disse “vamos pular o muro que eu sou apaixonado pelo boxe”, e quando avistei aquele ringue de perto a cena mexeu comigo e pensei “espero um dia treinar boxe e ser um lutador de verdade.”

Aquele momento de felicidade durou pouco, porque o segurança chegou e colocou a gente pra fora, quase que eu chorei, cheguei até a implorar, mas não teve jeito. Após esse episódio aquietei.

Com a expectativa de melhorar de vida eu vim para São Paulo, comecei a trabalhar numa metalúrgica, fiquei três meses, não fui registrado e acabei desempregado, comecei a vagar por São Paulo e na Cidade Tiradentes encontrei um treinador que se chama Garrido, mas na verdade eu entrei na academia para fazer musculação, mas quando olhei pro lado e vi aquele saco de pancada eu disse: “Puxa vida, andei... andei e até que enfim encontrei o boxe”.

Lá entraram vários alunos junto comigo, mas foram saindo tudo porque só fica quem é apaixonado pelo esporte. Então o Garrido falou que se eu quisesse mesmo aquilo que eu tivesse força de vontade e acreditasse no trabalho que ele faz.

Ele contou que tinha um lugar melhor pra treinar já que estávamos apenas nos dois, para minha surpresa era um campo de futebol no meio do nada, não tinha aparelho pra bater, não tinha luva. Comecei socando pneu, carregando troncos de árvores nas costas, dar socos ao ar livre com pedras, enfim era uma loucura, as pessoas passavam e davam risada. Eu não dei conta e continuei, pois é minha paixão. Lá deu o pontapé inicial, depois passamos pela Vila Ré, Vale do Anhangabaú onde resgatamos jovens do mundo das drogas e finalmente Viaduto do Café onde me tornei campeão brasileiro, aí eu vim para Alcântara Machado e conquistei o cinturão Sul-Americano.

Quem é seu maior ídolo no esporte?

Meu maior ídolo é o Mike Tyson, sempre o admirei pelo seu jeito de lutar e como subia ao ringue determinado, não tento imitar completamente, mas tento fazer de forma semelhante. Quando subo no tablado tento terminar a luta o mais rápido possível.

Muitos críticos dizem que Mike Tyson já ganhava o combate só pelo olhar que colocava medo no oponente. Você acha que tem essa capacidade também?

Eu não sei. Já olhei pra alguns adversários meus que piscaram também, não resistiram olhar pra mim, mas eu acho que isso daí não atinge nada se o cara não tá determinado, não tá treinado não é o olhar que vai derrotar o oponente, você tem que mostrar trabalho.

Tyson tem problemas com vícios e justiça. O que você acha da postura dele fora do ringue?

Eu não o conheço, eu não tenho vídeos que eu mesmo fiz pra falar que ele foi o errado que pisou na bola, eu não tenho certeza... A mídia que fala então não gosto de apontar, mas pelo que é mostrado eu não me espelho na sua maneira fora do ringue, apenas dentro.

Seu estilo é nocauteador, 9 nocautes em 11 vitórias. O que você sente quando derruba um adversário?

É muito bom. Eu sinto que eu subi mais um degrau, que estou melhorando, sinto mais força de treinar e ficar melhor ainda. No boxe a gente não pode falar “eu sou bom, eu sou completo, eu aprendi tudo”, pois cada dia aprendemos um pouco. Quando derrubo um adversário isso significa que estou melhorando, portanto procuro me dedicar e aprimorar o que faço.

Você sente piedade do profissional nocauteado?

Eu não sinto piedade, não que eu seja cruel ou mal, o esporte é o esporte e tem que saber dividir as coisas. Um dia antes da luta eu fico ali tenso, então não penso em nada, só penso na luta e me concentro. Então quando soa o gongo é só bater, bater, bater... não vem aquele pensamento “poxa, que dó acertei pra caramba o cara, machuquei ele”. O pensamento é “bater, bater e ganhar”. Depois da luta a gente tem que mostrar o espírito esportivo cumprimentando o adversário.

Suas lutas já foram debaixo de pontes, bingos e ginásios. Qual é a sensação de lutar em cada um desses três lugares?

Cara com certeza num lugar fechado como um ginásio não tem comparação, todo lutador prefere isso, só que duas lutas importantes que fiz pelos cinturões brasileiro e sul-americano que realmente me fizeram crescer foram debaixo da ponte e isso que importa, evoluir.

Seus dois cinturões vieram embaixo do viaduto. Como é esse contraste entre o ouro e a pobreza?

Na verdade são três, pois conquistei o paulista (Liga Profissional de Boxe), mas os outros dois foram debaixo de viadutos, então é o seguinte: eu sou campeão brasileiro, sul-americano, mas infelizmente ainda não tenho aquele patrocínio, aquele apóio, a força para continuar. Poxa vida paulista, brasileiro e sul-americano... Eu poderia estar vivendo do boxe, porém ainda não estou.

Ainda não surgiu nada, não sei se não tenho sorte, se o pessoal não gosta de mim, as pessoas não conseguem estender a mão para ajudar o outro, porque eu penso o seguinte se eu sou ajudado hoje certamente ajudarei alguém no futuro, pois já recebi apóio. Eu tenho esse pensamento.

Se hoje estou debaixo do viaduto, mas amanhã sou campeão mundial eu sei que alguém me ajudou a chegar lá, sozinho eu não consigo. Vou pensar “Se eu to aqui é porque alguém me ajudou.”.

Acho que falta isso entrar na cabeça das pessoas e estender a mão para alguém que quer realizar um sonho.

A carreira de boxeador não lhe garante uma vida com padrões dignos de sobrevivência então você trabalha como segurança. Como é trabalhar nessa área para manter a renda?

Complicado e cansativo, pois não abro mão do boxe. Levanto às 7 horas da manhã e depois que eu corro vou trabalhar, para ganhar uma moeda para pagar as contas. Chego uma hora da manhã, durmo de 5 à 6 horas, um atleta tem que dormir suas horas adequadas se alimentar corretamente.

Em alguma situação como segurança você já teve que utilizar o boxe?

Não e nem passou pela cabeça, já tive chance de agredir uma pessoa. Uma certa vez estava no serviço e um rapaz começou a gritar comigo e ele estava errado, mas aprendi no boxe a me controlar e não usá-lo de má fé. Aprendi a controlar os sentimentos.

Se surgisse um patrocínio você abandonaria seu terno e gravata?

Se alguém viesse e falasse: “Você luta ali, a gente ganha dinheiro”, “te pago tanto se você ensinar na minha academia, só não quero mais você com esse terno.”. Eu até queimaria para nunca mais usar e me fixar no boxe.

Os principais nomes do pugilismo nacional têm as melhores condições de treino dentro do país. Como você que treina embaixo do viaduto compensa essa deficiência de equipamentos e equipe médica?

A diferença é alimentação. O dia-a-dia deles é melhor, eu vivo do feijão-com-arroz, como um atleta vai se manter de pé por muito tempo assim? Não tem como.

Quanto aparelhos, eles tem maquinário de primeiro mundo e eu não, mas não influencia muito, pois eu treino desse modo como na antiguidade do boxe e assim conquistei meus títulos.

Você utiliza correntes de ouro, brincos. Seu visual é semelhante ao de um gangsta rapper como Snoop Dogg, 2 Pac e 50 Cent. Você se sente parecido com eles?

Eu não procuro copiar nenhum deles, eu apenas gosto do estilo que eles usam e seu som. O 50 Cent com certeza é o primeiro da lista.

Quando o gangsta rap surgiu as letras giravam em torno do jovem negro e seus problemas, hoje falam mais de valores materialistas. Você pensa em seguir o mesmo rumo quando chegar seu sucesso?

Não se um dia eu chegar ao topo, eu não vou bater no peito e dizer: “eu tenho isso daqui, é tudo meu”, sabe sair metendo a ‘mala’ por aí, serei humilde até o fim, não importando o que eu ganhe.

Mesmo sabendo que o boxe anda em baixa no país, o que faz você seguir nesta carreira?

Acho que é porque sou apaixonado pelo boxe, porque já vi muita coisa... Meu treinador já me expulsou duas vezes e eu voltei porque amo o pugilismo, se não gostasse abandonaria tudo.

Como é sua relação com o Garrido?

É boa, mas tem momentos que como ele diz “somos seres humanos que falham”. Ele erra e eu também, no final o importante é reconhecer os erros e voltar a viver bem.

Acredita que existe uma solução para os excluídos sociais no Brasil?

Basta as pessoas olharem com bons olhos. Por exemplo, um empresário passa aqui do lado do viaduto e me vê treinando e do outro lado um rapaz que treina em uma academia luxuosa, o cara olha pra ele com bons olhos e me julga errado, o ideal é primeiro conhecer as pessoas, eu acho que o preconceito atrapalha muito a situação dos excluídos sociais.

A saída não são apenas projetos e academias para moradores de ruas, mas como sou atleta defendo essa solução.

Foto: Jack Welson / Divulgação