quinta-feira, 29 de março de 2012

Entrevista com Daniel Fucs

Daniel Fucs / (Foto: Globo.com)

Daniel Fucs é árbitro de boxe há mais de duas décadas, foi Diretor de Boxe Profissional e Vice-Presidente da CBBoxe (Confederação Brasileira de Boxe) e hoje ocupa o cargo de Supervisor Nacional de Boxe da mesma entidade além de manter assento no Conselho de Governadores do CMB (Conselho Mundial de Boxe), único brasileiro com esta função.

Hoje é figura pública sendo visto comentando lutas de pugilismo nos canais SporTV ou concedendo entrevistas em outros veículos e mantém o blog Combate no site da Globo.com. Em entrevista ao Córner do Leão fala da sua visão das condições atuais do boxe brasileiro.

Como faz para buscar a neutralidade nos comentários de boxe tendo outras funções no meio?

Não vejo empecilho na manutenção de outra atividade e sim maior responsabilidade. É preciso ter seriedade, satisfação no trabalho e honestidade. Credibilidade é algo que se conquista. Por outro lado, estou sempre estudando e mantendo contato com diversas pessoas em outras partes do mundo. Eu não suportaria ser conhecido como “chutador” ou precisar desmentir constantemente informações / mudar de opinião como vejo acontecer no meio. Ser parado na rua e indagado constantemente dos motivos pelos quais não comento outros esportes deixam-me a certeza que o caminho está correto.

Seja no blog ou na TV, as passagens como árbitro, diretor de boxe profissional e vice-presidente da CBBoxe influenciam de que forma?

Como árbitro, o conhecimento das regras internacionais e de pessoas relevantes ajuda muito. Por exemplo, em 99,9999 % das vezes percebo antecipadamente a atitude que o árbitro tomará em seguida, ou o que vai acontecer numa luta polêmica, antes do anúncio oficial.

Com relação aos cargos, existe um ciclo que não tem fim. Meus comentários explicitados de forma independente chamaram a atenção da Confederação, quando ainda era somente árbitro. Ao ocupar cargos cada vez mais importantes, a credibilidade na mídia e junto ao aficionado também foi se tornando mais sólida e o ciclo continua. Quando uma emissora concorrente solicita uma entrevista ou indicação de uma pessoa para realizar comentários de boxe, novamente comprovo que o caminho da decência foi o correto.

Nos últimos anos ocorreram algumas mortes em decorrência de lutas de boxe que chamaram atenção da mídia inclusive no Brasil. Isto de alguma forma afeta o desenvolvimento do esporte no território nacional e no mundo?

Toda morte ou lesão grave afeta qualquer esporte. Seja no boxe, no vale tudo, no futebol, no automobilismo, no ciclismo, no parapente e etc. O que me incomoda no boxe é o descaso que muitos fazem, considerando como um pedaço de carne morta aquele ser humano que está do seu lado fornecendo-lhe uma forma de rendimento. Dá-se pouca importância à vida. Um dirigente que permite uma luta sem a presença de ambulância ou com um boxeador que recentemente perdeu várias lutas por via rápida deveria estar respondendo a processo no ministério público. Quando vejo um agente – às vezes dublê de dirigente – encaminhar um boxeador, muitas vezes desconhecido, para o matadouro, com objetivo dele (agente) faturar alguns dólares fico pensando o quão triste deve ser a vida deste cidadão. Aliás, no boxe a nomenclatura agente foi disseminada por mim e agora é muito utilizada. Eu me recuso chamar de empresário alguém que se importa apenas com o dinheiro que vai receber e não com a carreira do atleta. A palavra agente me lembra alguns filmes antigos quando o enredo abordava a função do mesmo, cujo objetivo era conseguir dinheiro para o ator e para ele mesmo, independentemente de ser um bom ou mal papel. Quase tão ruim quanto o agente irresponsável é o boxeador que faz propaganda do mau agente, comprando uma briga que não é dele. Mas pior do que este é o pugilista ou ex-pugilista que consegue levar colegas para o exterior visando proporcionar escadas para atletas estrangeiros. E pior: algumas vezes recebendo mais dinheiro do que o próprio pugilista.

Essas mortes recentes levaram à alguma mudança de regras ou fiscalização no esporte? Em sua opinião deveria acontecer alterações?

Pouca coisa mudou. A entidade a que pertenço tem preocupações cada vez maiores, mas não posso responder por outras. Lembro-me de uma reunião com uma entidade independente que tentou se filiar à CBBoxe na época que eu era o vice-presidente. O então presidente da CBBoxe, Luiz Cláudio Boselli, respondeu que não haveria problema, desde que a regulamentação da Confederação fosse cumprida, incluindo os cuidados com os eventos. O tal presidente da entidade independente nos olhou de forma séria, parecia insatisfeito com a resposta, comentou que não gostaria de interferência e nunca mais nos procurou. Hoje em dia faz boxe da maneira dele, bem diferente da CBBoxe e com mais riscos.

O Ministério do Esporte, após uma morte há alguns anos, tentou fazer com que os combates no Brasil fossem autorizados pela Confederação como ocorria há algumas décadas. Mas isso não foi para frente. A legislação atual permite que cada um faça o que quiser. Enquanto ninguém for indiciado, julgado e preso a bagunça vai continuar.

Em seu artigo "Mais letras na sopa" de 15 de fevereiro, o senhor aponta a proliferação de entidades no esporte. Tal fenômeno é danoso ao boxe?

No início, a criação de novos organismos de controle mundial foi benéfica ao esporte. As cisões na WBA e a criação do WBC, IBF e WBO permitiram que grandes boxeadores tivessem oportunidades que talvez nunca lhes fossem concedidas. No Brasil tivemos o exemplo de Popó que após conquistar dois títulos com a WBO unificou a coroa peso leve com a própria WBA. Entretanto, a falta de compostura de dezenas de pessoas que pensaram em enriquecer facilmente acabou por fazer com que fossem criadas em todo o mundo “entidades” (com aspas mesmo) sem credibilidade e dignidade. Até no boxe feminino isto está acontecendo. Em todos os países haverá gente tentando obter alguma vantagem com isso. Lembro-me de um boxeador do norte do país que me ligou estranhando que ninguém falava que ele era campeão mundial de boxe. Ele tinha conseguido um patrocínio para disputar um título mundial no Brasil e não via seu nome na mídia nem dinheiro nos bolsos. Foi triste contar a verdade.

Quais foram os benefícios e malefícios da Lei Zico que se tornou Lei Pelé e permitiu a formação de agremiações além das confederações nacionais?

Bem, de certa maneira a resposta está explicitada mais acima. Sempre tive a impressão que a Lei Pelé, com aqueles itens como a criação do atleta semiprofissional visasse fundamentalmente o futebol. E a FIFA cortou as orelhas dos anarquistas. Se fossem criadas novas entidades o Brasil estaria fora das Copas do Mundo de Futebol. No boxe, como existem várias entidades internacionais nada foi feito no país para impedir. Ao mesmo tempo em que evitou alguns de se manterem imperadores do boxe nacional, permitiu a criação de algumas entidades – não todas – despudoradas que nada fazem para o fomento do boxe brasileiro.

Como o senhor avalia a atuação de brasileiros e seus empresários no exterior?

Pra início de conversa, a maioria não atua como empresários preocupados com a carreira do atleta e sim como agentes gananciosos. Tenho escrito bastante sobre isso no meu blog. Na verdade, há mais de 10 anos que me pronuncio sobre a questão. Tem muita gente me olhando enviesado por divulgar os resultados dos brasileiros no exterior. Com raríssimas exceções, não vejo nenhuma vantagem, a não ser para os bolsos de alguns, com a ida de boxeadores do Brasil, muitos desconhecidos do grande público. Raramente algum dos melhores brasileiros luta no exterior com um mínimo de igualdade técnica. Não é fácil ouvir o que escutei, na China, do presidente da federação mexicana. Quando alguém precisava de uma vitória fácil era só contratar um brasileiro. Minha indagação sobre o motivo que o levava a aceitar lutas de brasileiros sem autorização da Confederação acabou por gerar um pedido de desculpas do dirigente. Porém, o exemplo serve para mostrar como somos considerados no exterior.

No atual momento quem apontaria como destaque do boxe nacional e por quê?

Esta foi a única pergunta que precisei refletir mais de 20 segundos para responder. A resposta é difícil. Destaque para mim, não é aquele que se destaca no Brasil e sim o que tem condições de sobressair a curto ou no máximo num médio prazo fora do país. Gostaria de estar enganado, mas neste momento não vejo nenhum brasileiro no boxe profissional com estas condições, quando pensamos numa disputa de título mundial com chances de vitória em 2012. Para o ano em curso vejo mais condições no boxe olímpico brasileiro que no profissional. Pode ser que em 2013 seja possível, mas esta é uma questão para ser analisada no final do ano.